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“Era importante dar um passo atrás em relação aos exames digitais no 9º ano”

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Diretores e professores têm dito que pode não haver condições para avançar com os exames do 9º ano em formato digital em pé de igualdade para todos os alunos porque há milhares de computadores avariados e problemas de rede de Internet nas escolas. Estas preocupações fazem sentido?

Fazem todo o sentido. Muitos dos equipamentos fornecidos aos alunos, sobretudo os que vieram nos primeiros lotes, eram muito frágeis e avariam com facilidade. Neste momento, as escolas têm centenas de computadores avariados nas prateleiras. O anúncio desta semana de que há uma verba de 6,5 milhões de euros para a compra de computadores novos não resolve o problema, porque, segundo a informação que foi passada aos diretores, só podem ser usados para substituir os que já não possíveis de ser reparados ou que se extraviaram.

Ou seja, as aquisições que venham a ser feitas não vão resolver o problema?

Não é suficiente, porque os equipamentos avariados que não são passíveis de reparação correspondem a uma pequena fatia. Os outros estão registados na plataforma do Ministério da Educação como recuperáveis e, à partida, não podem ser substituídos com este dinheiro. Além disso, continua por resolver o problema de falta de técnicos nas escolas.

Na ausência de técnicos nas escolas, quem é que assegura a reparação dos computadores?

O que tem acontecido é que os professores de Informática vão dando um jeitinho aqui e ali. Mas quando se trata de milhares de computadores avariados deixa de ser exequível. Estamos a falar de portáteis que foram adquiridos com as verbas do PRR, a maioria entre 2020 e 2022, e cujas garantias já terminaram. As empresas que faziam a manutenção estão agora a fazer orçamentos para a reparação muito altos e que nem compensam. As escolas não têm nem as verbas para pagar esse arranjo, nem os técnicos para o fazer.

Os diretores também se têm queixado de problemas na rede de Internet nas escolas, inexistente ou fraca em vários locais ou quando há muitas pessoas ligadas.

Esses problemas também existem. No ano passado, com a generalização das provas de aferição digitais, as escolas ainda se fizeram valer dos kits com dados de Internet dos alunos. Mas, entretanto, os contratos terminaram e o Ministério decidiu que só continuariam a ter Internet paga os estudantes apoiados pela ação social escolar.

O Ministério da Educação fez um balanço globalmente positivo da realização das provas de aferição (2º, 5º e 8º anos) em formato digital no ano letivo passado. A ANPRI tem a mesma opinião?

O Ministério tentou aligeirar os problemas que decorreram, mas o que aconteceu em vários dias das provas ultrapassa as dificuldades que podemos considerar normais e decorrentes da complexidade de um processo desta natureza.

Como assinalámos na altura, quando divulgámos o nosso relatório sobre as provas de aferição de TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação), houve computadores a não ligar, teclados bloqueados, passwords que não funcionavam, interrupções no acesso ao sistema.

Se no ano passado houve problemas e não foram resolvidos este ano – porque não foram contratados técnicos para as escolas, nem foi feita a manutenção necessária dos computadores – então temos de concluir que as condições para a realização de testes em formato digital só pioraram.

Os exames do 9º ano têm um formalismo e uma importância superiores às provas de aferição, já que têm um peso na nota final a Matemática e Português (30%) e implicam que sejam realizados em condições de igualdade em todas as escolas. Nesse sentido, a situação é mais preocupante?

Também já fizemos chegar essa preocupação aos responsáveis. No ano letivo passado, as escolas agiram como entenderam. Perante um computador que bloqueava, umas davam mais tempo para a realização da prova, outras menos, outras diziam aos alunos para submeter os testes como estavam. O Ministério tem de dar uma indicação muito clara sobre como as escolas devem proceder perante cada tipo de problema que surja, de forma a garantir que os procedimentos são iguais em todas.

Se a próxima equipa do Ministério da Educação pedisse a opinião da presidente da ANPRI sobre a realização dos exames nacionais do 9º ano em computador no próximo mês de junho, o que diria para fazer?

Diria para se pedir uma recalendarização de mais um ano, de forma a tentar resolver no próximo ano os problemas que existem. É certo que o projeto de desmaterialização das provas tem financiamento do PRR e há prazos para cumprir. Mas já se fizeram noutras áreas pedidos de alteração dos projetos.

Isso permitiria ainda que professores e alunos se familiarizassem com a plataforma e as provas digitais, que fossem experimentando a resolução de perguntas nesse formato e até a inserção de caracteres especiais que têm de procurar no teclado, de forma a tornar esse processo o mais natural possível. Era importante neste momento dar um passo atrás para depois dar dois em frente com segurança.

A Associação de Professores de Informática, juntamente com a Fenprof, avançou com um pré-aviso de greve, a partir de 8 de abril, às tarefas de “apoio ou manutenção dos equipamentos tecnológicos e ao suporte técnico às provas digitais” que têm sido atribuídas a estes docentes e que possam vir a ser dadas no caso dos exames do 9º. Porquê agora?

Este pré-aviso de greve não surge do nada. Andamos há anos a chamar a atenção do Ministério da Educação para o facto de as escolas não terem técnicos que assegurem este serviço. De há uma década para cá que têm sido os professores de Informática, e outros que gostam e sabem, que vão ajudando e já era à custa de muitas horas extra e com espírito de missão que iam fazendo este apoio, sendo até convocados diariamente para estar de serviço às provas de aferição digitais do ano passado.

A partir do momento em que as escolas têm milhares de portáteis ‘nas suas mãos’, o trabalho aumentou exponencialmente e já não é compatível com “jeitinhos” de alguns professores. A dimensão do parque tecnológico dos agrupamentos obriga a que se pense numa solução profissional. Mas não há um sinal de que isso esteja para acontecer.

Expresso